Flavia Franceschetti
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A consolidação do teletrabalho e do home office como práticas permanentes nas relações laborais brasileiras é um fato inegável. O que se iniciou como uma medida emergencial durante a pandemia transformou-se em estratégia empresarial, sendo adotado por empresas de diferentes setores como alternativa eficiente para aumentar a produtividade, reduzir custos operacionais e flexibilizar estruturas organizacionais.Contudo, enquanto as práticas avançam rapidamente, a legislação trabalhista brasileira ainda está em fase de adaptação. Os dispositivos legais hoje em vigor, embora representem um ponto de partida, não oferecem plena segurança jurídica para empregadores, tampouco garantem a proteção integral dos trabalhadores, especialmente no que diz respeito à saúde mental e às condições psicossociais do trabalho remoto. Diante disso, torna-se fundamental discutir como a legislação pode — e deve — ser reformulada para equilibrar responsabilidades, prevenir litígios e promover relações laborais sustentáveis.


O que já existe e onde estão os limites legais atuais

Desde a Reforma Trabalhista de 2017, a CLT passou a incluir os artigos 75-A a 75-E, que tratam do teletrabalho. A norma exige que o regime remoto esteja previsto em contrato individual, indicando atividades desempenhadas e responsabilidades quanto a equipamentos e custos operacionais. No entanto, pontos fundamentais para a prática cotidiana das empresas permanecem sem regulamentação adequada.A ausência de diretrizes claras sobre controle de jornada, estrutura ergonômica mínima, saúde mental e fiscalização do ambiente de trabalho remoto gera insegurança para os empregadores, que muitas vezes se veem diante de um cenário de obrigações mal definidas, risco de judicialização e dificuldade de gestão. Ao mesmo tempo, trabalhadores podem sofrer com jornadas extensas, isolamento social e sobrecarga psíquica, o que também compromete a produtividade, aumenta o turnover e os índices de adoecimento ocupacional.


O avanço da NR-1: riscos psicossociais e o dever de prevenção

A edição da Portaria MTE nº 1.419/2024, que atualizou o capítulo 1.5 da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), representou um avanço importante no fortalecimento da cultura de prevenção no ambiente de trabalho. A nova redação passou a exigir que as empresas incluam, no escopo do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), também os fatores de riscos psicossociais, ao lado dos riscos físicos, químicos, biológicos e ergonômicos tradicionalmente considerados. Isso significa que elementos como sobrecarga de trabalho, metas excessivas, assédio moral, falta de apoio organizacional e isolamento social devem ser formalmente identificados, avaliados e controlados nos programas de saúde e segurança do trabalho.Importante destacar que, embora a nova norma tenha sido publicada em 2024, sua entrada em vigor foi prorrogada para 25 de maio de 2026, conforme disposto na Portaria MTE nº 765/2025. Com isso, as organizações ganharam um período adicional para revisar seus processos, capacitar suas equipes técnicas e promover as adequações necessárias no âmbito dos programas de prevenção, de forma planejada e eficaz.


Direito à desconexão: segurança para ambos os lados

Um dos pontos mais sensíveis do teletrabalho é a diluição dos limites entre tempo de trabalho e tempo de descanso. Em muitos casos, trabalhadores relatam pressões constantes fora do horário contratual. Ao mesmo tempo, empregadores enfrentam dúvidas sobre o que configura hora extra em contextos de comunicação digital permanente.É nesse ponto que a previsão legal do direito à desconexão pode oferecer segurança jurídica para ambas as partes. Se a legislação estabelecer parâmetros objetivos — como limites para envio de mensagens após o expediente, definição de janelas de disponibilidade e exceções justificáveis —, será possível evitar litígios e garantir um regime mais previsível. Isso também protege a empresa contra acusações de jornada irregular, mantendo sua reputação e conformidade legal.


Ergonomia, estrutura mínima e dever compartilhado

Outra lacuna importante diz respeito à estrutura física do teletrabalho. A CLT permite que o contrato estabeleça que o trabalhador assuma os custos com equipamentos e infraestrutura. No entanto, a ausência de regras mínimas pode resultar em passivos futuros, especialmente em ações por doenças ocupacionais decorrentes de más condições ergonômicas.Uma legislação mais moderna deve definir padrões técnicos mínimos de ergonomia, mas também permitir modelos de responsabilidade compartilhada, como reembolsos, comodatos ou subsídios flexíveis. Isso garante condições adequadas de trabalho e, ao mesmo tempo, permite que as empresas mantenham controle de custos e adaptação à sua realidade econômica.


Capacitação: investimento que reduz riscos e aumenta a eficiência

O teletrabalho exige habilidades específicas: autogestão, domínio de ferramentas digitais, inteligência emocional e capacidade de organização. Treinar os trabalhadores para esse novo cenário não é apenas um ato de responsabilidade social, mas uma decisão estratégica para os empregadores.A legislação deve prever que o empregador ofereça capacitação prévia ao início do trabalho remoto, e que esse treinamento integre conteúdos técnicos e de saúde mental. Incentivos fiscais, parcerias com o Sistema S e plataformas de educação corporativa são caminhos viáveis para viabilizar esse processo, mesmo para empresas de pequeno porte.


Fiscalização e conformidade: o equilíbrio entre proteção e privacidade

A fiscalização do teletrabalho deve respeitar a inviolabilidade do domicílio, mas isso não significa ausência de controle. A legislação pode autorizar, com o consentimento do trabalhador, auditorias digitais, checklists autoaplicáveis, reuniões periódicas e mecanismos de escuta ativa, tudo dentro de uma lógica de conformidade e cooperação.Para o empregador, isso representa uma forma legítima de exercer seu dever de vigilância e zelo, sem invadir a privacidade do trabalhador. Para o trabalhador, assegura um canal de comunicação institucional e evita práticas abusivas.


Boas práticas para empregadores: prevenção, confiança e desempenho

Enquanto a legislação passa por ajustes, empresas proativas já podem adotar medidas práticas para mitigar riscos e promover o bem-estar no regime remoto. Abaixo estão algumas boas práticas recomendadas:

  • Estabelecer políticas internas claras sobre jornada e comunicação fora do expediente, com base em horários pactuados;
  • Oferecer suporte ergonômico, por meio de reembolso de equipamentos, kits home office ou consultorias técnicas remotas;
  • Realizar check-ins semanais com as equipes, com foco tanto na produtividade quanto no bem-estar emocional;
  • Implantar programas internos de saúde mental, com parcerias para atendimento psicológico, rodas de conversa e campanhas educativas;
  • Utilizar ferramentas de gestão transparente de metas, que permitam autonomia sem sobrecarga ou pressão desproporcional;
  • Capacitar lideranças para o modelo remoto, com foco em comunicação empática, gestão de tempo e prevenção de conflitos;
  • Incluir os fatores psicossociais nas análises de risco ocupacional, ainda que de forma gradual, em alinhamento com o novo prazo legal;
  • Manter registros e documentação de todas as ações preventivas, como forma de reforçar a conformidade e a boa-fé empresarial.

Empresas que adotam essas práticas não apenas se antecipam às exigências legais, mas também fortalecem sua reputação, reduzem rotatividade e atraem talentos comprometidos com ambientes saudáveis e transparentes.


Conclusão: mais clareza, menos conflito

O cenário atual mostra que, para o teletrabalho ser realmente benéfico para empresas e trabalhadores, é essencial que a legislação evolua. Uma CLT mais clara e atualizada, aliada a normas regulamentadoras coerentes, oferece segurança jurídica, previsibilidade, valorização da saúde mental e redução de conflitos.Reformar a legislação trabalhista sob esse novo olhar não é apenas uma necessidade legal, mas uma estratégia empresarial de longo prazo. Ao construir relações laborais mais transparentes e e+quilibradas, o empregador fortalece sua governança, aumenta o engajamento de sua equipe e contribui para um mercado de trabalho mais saudável e produtivo.

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